Pela primeira vez, o hino brasileiro soou após a marcha atlética masculina de 20 km em um Mundial. Em Tóquio, Caio Bonfim cruzou a linha em 1h18min35s e levou o ouro, um feito que escapa ao país desde a criação do evento. O brasileiro, de 34 anos, sustentou um ritmo firme do começo ao fim e confirmou a fase mais consistente da carreira.
A disputa foi apertada até os metros finais. O chinês Wang Zhaozhao garantiu a prata com 1h18min43s, apenas oito segundos atrás do brasileiro, e o espanhol Paul McGrath completou o pódio com 1h18min45s. Em nível de campeonato mundial, diferenças assim são detalhes: uma hidratação feita na hora certa, um ajuste de cadência em subida, um olhar atento dos juízes. Bonfim acertou em todas as microdecisões.
O resultado consolida uma escalada rara em provas de resistência. Bonfim já tinha duas medalhas de bronze em Mundiais (2017 e 2023) e uma prata olímpica em 2024. Agora, coloca o ouro nessa sequência e amplia o alcance histórico da marcha atlética brasileira. Além do valor simbólico, a marca é mais rápida do que os 1h19min42s do quarto lugar na Rio-2016, quando ele já havia chamado a atenção do planeta.
O caminho até a vitória não foi apenas físico. Marcha atlética é uma prova de precisão técnica, com regras rígidas: um pé precisa manter contato com o chão o tempo todo e a perna de apoio deve ficar estendida. Erro custa caro, com avisos e possíveis punições. Em meio a essa vigilância, manter a velocidade acima de 1h19 em 20 km exige foco quase cirúrgico. Bonfim dominou esse jogo mental enquanto administrava a pressão de uma prova de campeonato, em que tática pesa tanto quanto preparo.
Nascido em 1991, natural de Brasília e filho da ex-marchadora internacional Gianetti Bonfim, Caio cresceu dentro da modalidade. A influência da família moldou a técnica, a paciência e a leitura de prova — virtudes que se traduziram em longevidade competitiva. Ele está em Jogos Olímpicos desde 2012 e tem experiência suficiente para saber quando atacar e quando esperar.
O ouro em Tóquio também diz muito sobre a evolução da marcha no Brasil. A modalidade vem ampliando centros de treinamento, intercâmbios e presença em competições internacionais. O pódio de hoje não é um raio em céu azul: é a colheita de anos de trabalho contínuo, com planejamento de calendário, controle de cargas e construção de base aeróbia. Quando o corpo responde e a cabeça acompanha, a medalha vira consequência.
Quer ver como essa trajetória foi se construindo? A linha do tempo ajuda a entender o salto de qualidade:
Há outro componente nessa história: consistência. Em provas de endurance, não adianta ter um pico isolado. O que manteve Bonfim na elite foi a repetição de resultados grandes, ano após ano, e a capacidade de competir com diferentes gerações de adversários, de chineses a espanhóis, passando por europeus do leste e japoneses, todos com tradições fortes na marcha.
Para o Brasil, a medalha vale como referência técnica. Em tempos de renovação no atletismo nacional, ter um campeão mundial em prova olímpica de rua ajuda a atrair jovens, melhora a percepção de patrocinadores e pressiona por mais estrutura. É assim que as modalidades crescem: com ídolos, resultados e calendário cheio. A vitória de Bonfim alimenta esse ciclo.
O próximo capítulo passa por manter saúde e volume de treino, escolher bem o calendário e proteger o corpo de lesões, o verdadeiro adversário invisível do alto rendimento. Com a confiança de campeão do mundo e uma leitura de prova cada vez mais afiada, Bonfim entra nos próximos desafios com algo que ninguém tira: a sensação de que, no dia certo, ele sabe ganhar a corrida que mais importa.